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Epá Por Mim Primos - Reportagem

Epá Por Mim Primos

Vídeos, podcasts, reacts, músicas, documentários e sketches são a nova forma de entretenimento que vinga no meio digital. Esta era virtual aplica-se também (e sobretudo) ao humor, mas há quem não dispense o calor humano em troca de likes e partilhas e veja também nos palcos uma extensão remunerada do trabalho feito nos estúdios, garagens e apartamentos. Mas em que medida é que esta transição é feita sem se perder a essência do conteúdo? Conversámos com os autores do podcast “Epá, Por Mim Não” e com “Os Primos” nos bastidores dos seus espetáculos ao vivo.


Em abril águas mil e em Benfica não é exceção. O Teatro da Luz abre as portas cedo para ninguém estar à chuva e para abrigar aqueles que são os primeiros a ver “Epá Por Mim Não” ao vivo. Depois de alguns problemas de logística que fazem o público questionar o que se está a passar, quase como se de um anúncio de Youtube se tratasse, o espetáculo começa.

“Isto é como estar no Circo Chen a fazer trapézio”

“Epá Por Mim Não” (EPMN) começou por ser “uma bebedeira que passou para um projeto áudio que se tornou audiovisual e que virou um projeto ao vivo” e, à data de publicação deste artigo, parece que chegou ao fim por “razões pessoais”.

O podcast disponível também em vídeo no YouTube é protagonizado por António Azevedo Coutinho, Pedro Sousa, Nelo do Rec (atrás da câmara) e por aquele que é descrito pelos colegas como “brilhante editor e pediatra da nossa praça”, Dr. Eduardo, um urso pediatra cuja verdadeira identidade a equipa tenta esconder do público tanto quanto possível. O projeto, que existe desde outubro de 2019, não tinha como objetivo inicial subir a palco.

A 23 de abril, falámos com o grupo nos bastidores do Teatro da Luz, ainda longe de sabermos que Epá, Por Mim Não, teria o seu fim anunciado pouco tempo depois.
A transição para os palcos foi natural, diz António Azevedo Coutinho, pois “quando um projeto corre bem o objetivo é sempre rentabilizá-lo; não havia nenhum objetivo a longo prazo, ou seja, nós começámos esta cena e deixámos ir. Não tínhamos qualquer expectativa e temos tentado fazer as coisas bem, mas não sabemos bem o que é que isso significa sinceramente. Tem sido tentativa e erro”.

Gravado na casa de Dr. Eduardo, EPMN subiu a palco para mais de 100 pessoas. Com o público, claro, advêm desafios, dos quais o maior é “fazer rir”. Tentando “perceber se aquilo a que nós achamos piada, faz rir os outros também”. Pedro Sousa e António Azevedo Coutinho caracterizam o espetáculo como “tranquilo, confuso e desorganizado, como nós”, afirmando que o objetivo, desafiante, é “tentar manter uma identidade e ao mesmo tempo fazer rir”. Apesar da discórdia entre ser um podcast ao vivo ou um espetáculo, ambos concordam que este tipo de conteúdo está “a ganhar espaço para errar”, devido ao crescimento notório deste tipo de entretenimento.

“Ninguém sabe o que é que vai ser um episódio, não há nada escrito, tudo é experimental”, diz António, aquilo que um diz é a primeira vez que o outro a está a ouvir e a reagir. “Nós preparámos para este espetáculo um esqueleto e tudo o que está dentro desse esqueleto - fígados e intestinos - nós não temos ideia nenhuma”. “Isto é como estar no Circo Chen a fazer trapézio, sem rede, e o trapézio tem uma porca desapertada.” “Portanto é tentar, pode dar porcaria a qualquer altura, mas isso é a beleza disto tudo”. “Melhor do que estar num estúdio na Ericeira é estar com 100 pessoas a ver isto a ganhar sete euros por cada data” para pagar dívidas de caravanas contra varandas de primeiros andares, diz Pedro Sousa.

É possível encontrar coisas diferentes em palco daquelas que podemos ver no YouTube - desde entradas bizarras a momentos de interação com o público, passando pela presença de convidados e por lançamentos de sabonetes. Segundo os autores, o facto de o conteúdo saltar para os palcos afeta claramente a sua essência. “Acho que afeta a dinâmica, mas não é prejudicial necessariamente”. “No primeiro isolamento, tivemos um período em que estávamos a gravar por Zoom e a sensação de quando voltamos a gravar no estúdio foi inexplicável. Aqui essa pica é multiplicada por 100 e vamos ter sempre muito mais vontade do que gravar em casa”, afirma António. Ter a “reação imediata” por parte do público “afeta a dinâmica”, pois “faz-te ficar mais consciente” em vez de “estares à espera de duas ou três pessoas, aqui estás à espera da reação de 112 pessoas”, explica Pedro.

O conteúdo de EPMN ao vivo é diferente daquilo que conhecemos no digital, com mais tempo e consequentemente com mais momentos para além do habitual. A dinâmica é diferente e a essência também, pois todo o ambiente altera as interações, desde os convidados ao público, passando pelas falhas no equipamento aos momentos planeados. Apesar de tudo, EPMN ao vivo continua a ser o conteúdo conhecido da internet, diferente a cada episódio, com “gente conhecidíssima da nossa praça”, muitos “epás” e com espátulas à mistura.

“A chave foi conhecer pessoas malucas como o Bolinha”

Do outro lado do rio Tejo, a 3 de maio, “na via” vêm Smile e Raptruista, os “filhos da tia”. Mais conhecidos como “Os Primos”, Iuri e Rui desta vez não estão “atrás do cifrão”, mas sim em cima do palco do Teatro Villaret com garrafas na mesa e copos na mão. Foram os reacts no YouTube que lhes valeram a sala esgotada com 324 pessoas - maioritariamente patronos - prontas para ver “Os Primos Na Via”, espetáculo produzido por Gonçalo Nunes, o produtor da FreakShow conhecido como “Bolinha” e responsável logístico de “Epá, Por Mim Não” e “Roda Bota Fora”.

“Quem é que já fez reacts, podcast e deu um mini show ao vivo? Ninguém, se calhar”, diz Rui. Alerta spoilers: Os Primos fizeram-no e ao início esta ideia não lhes passava pela cabeça. “Quando começámos a criar conteúdos, em brincadeira, dizíamos que era giro um dia conseguirmos levar isto para palco”, mas a dupla nunca pensou que tal chegasse a a acontecer. “A cena chave foi conhecer pessoas malucas como o Bolinha porque foi ele que nos deu o feedback de que era possível fazer isto andar para a frente”, diz-nos a dupla de youtubers.

“O maior desafio é termos de ser nós mesmos”

Pisar um palco não é novidade para Iuri e Rui, mas esta é a primeira em que “o pessoal está aqui” para vê-los. “Sabem quem tu és, conhecem-te, sabem aquilo que tu dizes e sabem a forma como pensas. Nós não queremos desiludir estas pessoas que aqui estão, mas também não queremos ser pessoas que não somos. O maior desafio é termos de ser nós mesmos, aqui não há outra forma”, explica Rui. Apesar de alguns desafios no que concerne à parte técnica, o espetáculo corre dentro da normalidade com uma diferença particular: em vez de estarem ambos a produzir conteúdo em casa, virados para uma parede, vão “explorando temas” e analisando as reações das caras à sua frente na plateia. Consoante isso, dizem, vão adaptando o que têm preparado e tentam coisas novas.

A preparação do conteúdo gravado para a internet é muito parecida ao que é feito ao vivo. “Vemos títulos de vídeos e às vezes um bocadinho [dos vídeos] para quando reagirmos ser genuíno. A nível do podcast passamos a semana a pensar em temas, para além disso não existe nenhum planeamento”, diz Iuri. Ao vivo, reagem a vídeos em direto - o formato que tornou conhecida a dupla de amigos. “Não sabemos a que vídeo é que vamos reagir no próximo espetáculo, é tudo novo. Mesmo que no podcast abordemos o mesmo tema, vai ser sempre impossível ser igual, porque não temos nada escrito, surgem palavras novas, pormenores, o próprio ambiente da sala é diferente”, afirma Rui.

Tal como em EPMN, Os Primos concordam que “é possível ver o espetáculo mais do que uma vez.” Apesar de fazerem conteúdos ao vivo, são da opinião de que isso não altera a essência do seu conteúdo - conseguem transmitir o mesmo que transmitem no digital - estando “na mesma vibe” em estúdio ou em palco. Mas não há dúvidas de que atuar ao vivo “dá muito mais gosto”.

Toda a experiência em volta de um espetáculo ao vivo não depende só dos artistas. O trabalho da equipa de produção é também ele muito importante, principalmente quando nos referimos a espetáculos que chegam vindos de plataformas online. Ver um vídeo de 10 minutos no YouTube será sempre diferente de ver uma hora e meia de um espetáculo ao vivo, mesmo que o conceito e os artistas sejam os mesmos. O que muda é, precisamente, a produção. Neste caso, a produtora responsável pelos dois espetáculos a que assistimos é a FreakShow, representada por Gonçalo Nunes e responsável por “Roda Bota Fora”, também ele um formato híbrido que é um sucesso nos palcos e na internet.

“Sou fascinado por espetáculo”

Ao trazer EPMN para os palcos, Gonçalo não procurou adulterar a essência do conteúdo que é, diz-nos, “o porquê de as pessoas pagarem para lá irem”, mas não hesita em afirmar que quer, juntamente com o elenco, “criar uma dinâmica de espetáculo, para não ser tudo frio. Porque eu acho mais bonito surpreender o público com alguma coisa nova e ao mesmo tempo dar aquilo a que eles já estão habituados e querem ver na verdade.”

No caso da dupla da margem sul, o mais importante foi encontrar uma dinâmica de palco de forma a que a noite não fosse monótona. “Se eles estivessem uma hora e meia sentados à mesa, ia ficar chato, então tentamos dividir o espetáculo em quatro momentos e fomos trabalhando isso com apontamentos de luz importantíssimos.”

Ao invés de alterar o cerne dos conceitos, “Bolinha” procura sim alterar um pouco “a perceção do público. Passar a vertente artística e mostrar algo mais do que as pessoas estão habituadas a ver.”

A moda de criar conteúdos originais online, nas várias plataformas (sublinhada mais ainda num contexto pandémico em que as salas de espetáculo estiveram encerradas), vê-se agora numa trajetória inversa, com os conceitos digitais a procurarem o seu espaço ao vivo, perante pessoas “reais” e que pagam para consumir uma versão mais próxima dos seus conteúdos favoritos. As equipas de produção são desafiadas e nem sempre esta transição funciona para o público e para os artistas no palco. O futuro é misterioso e, com cada vez mais conteúdos dos meios digitais a tentarem a sua sorte nos teatros e auditórios pelo país, espera-se criatividade nos conceitos dos humoristas, youtubers e podcasters portugueses. Misterioso é também o futuro do grupo Epá, Por Mim Não, que anunciou o seu fim depois de um podcast, um espetáculo ao vivo e até um documentário.
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